segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Valdívia, dois heróis de mesmo nome

Após preencher os documentos de maneira incorreta umas 10 vezes, consegui passar pela Imigração. Tinha acabado de desembarcar em Santiago do Chile, onde passaria a noite e de onde seguiria para San Pedro do Atacama.

Deixei a mochila no hotel e fui conhecer os pontos principais da cidade. Eram duas da tarde e o centro estava lotado, apesar de ser sábado. Andei pelo Paseo Ahumado, em direção a Plaza De Armas. Chegando lá, olhei em volta. Era uma praça grande e tinha muita gente circulando.

Quase fui atropelada pois a divisão entre a rua e a calçada é feita com pedras pequenas e as duas parecem uma coisa só. Tirando o fato de que estava escrito “turista” na minha testa, fiquei feliz de ter parado no quase atropelamento, evitando um de fato. Depois, um guia me disse que essa é uma situação comum entre os turistas. Senti um alívio ao descobrir que não era a única...

Tirei algumas fotos e resolvi comprar um postal de um vendedor que estava ali em frente. Demorei um pouco para escolher, e ele me emprestou uma caneta e um banquinho. Estava no meio da escolha das palavras que escreveria, quando ele pediu que eu o fizesse depressa, já que teria jogo da seleção e ele queria fechar a banca a tempo de assistir ao jogo. “Jogo da seleção? Que jogo da seleção?”, perguntei. Nota-se aqui a minha total ignorância com futebol. Eu sou a típica brasileira que só assiste a jogo da seleção brasileira na Copa e olhe lá.

O vendedor de postais explicou-me que era jogo das eliminatórias do Mundial (sim, lá é Mundial e não Copa), e que, caso ganhasse, o Chile estaria representado na próxima. Eu, na minha ignorância-arrogância brasileira, vinda de um país em que é óbvia a participação da seleção na Copa, ou Mundial, não entendi exatamente qual era a importância daquele jogo.

Notei que a Plaza estava esvaziando. Isso era seis, seis e meia da tarde. Por estar em uma cidade desconhecida e não saber que horas ia escurecer decido voltar para o hotel. No caminho de volta pelo Paseo Ahumado, comecei a ver vendedores, cornetas pessoas, bandeiras do Chile, chapéus, crianças, mais bandeiras, mais pessoas, mais chapéus. Ouvi também barulhos muito altos, vindos de uma aglomeração logo em frente.

Olhei para a esquina, onde, em um prédio, estava um telão gigante rodeado de muita gente, cercadas com grade e policiais. Meu espírito jornalístico me fez entrar na fila e ver o que era aquela movimentação toda. O policial, ou melhor, um dos Carabineros do Chile, revistou a minha bolsa e me deixou passar. Fui andando até chegar onde pudesse ver o telão. Havia várias pessoas agrupadas fazendo bagunça, mas nada que causasse choque a uma brasileira.

Percebi que estava sendo transmitido o jogo da seleção, que tinha acabado de começar. É isso aí, eu, sozinha, no meio de um bando de gente enrolada em bandeiras do Chile que gritavam “Chi, Chi, Chi, Le, Le, Le, viva Chile”. Achei extremamente divertido, até porque nunca tinha participado de nada parecido aqui no Brasil.

A bola rolando contra a Colômbia e aos 15 minutos de jogo sai um gol dos adversários. Ao invés de ficar triste ou indignada, como eu achei que ficaria, a torcida chilena que estava ali começou a gritar ainda mais alto, o que só teria acontecido no Brasil se a seleção tivesse feito um gol. O mais interessante é que todo mundo gritava junto. De onde quer que alguém começasse a gritar, era seguido por todo o resto. Após escutar algumas vezes, e ter certeza do que eles estavam gritando porque não queria pagar o mico de gritar algo errado, comecei a gritar junto!!!

Ai começou a festa: xinguei o juiz, os jogadores da outra seleção quando eles chegavam perto do gol, os jogadores chilenos quando perdiam o passe. Lá pelos 35 minutos de jogo, após algumas tentativas acontece o momento tão esperado: gol do Chile! O gol feito por Valdívia foi anunciado por um grito do narrador e seguido por um barulho ensurdecedor, uma onda de mãos para cima, bandeiras balançando e cornetas, muitas cornetas tocando.

Já estava cansada de gritar o refrão, mas ele explodiu por todos os lados novamente. Valdívia, para quem não sabe, também é o sobrenome do Conquistador que fundou o Reino do Chile em 1542. Achei graça da coincidência. Pedro Valvídia funda o reino, mas o jogador de futebol de mesmo nome que é mais conhecido no mundo. Aliás, descobri depois que este mesmo jogador fez sucesso no Palmeiras, aqui no Brasil.

Fim do primeiro tempo. Está escurecendo e decido ir para o hotel. Já instalada, resolvo sair para jantar em um bairro chamado Providência. Na recepção, pergunto sobre o jogo, que a esta altura já tinha terminado. O recepcionista me diz, empolgadíssimo, que o jogo terminou em 4x2 para o Chile, e que nossas seleções se encontrarão no Mundial em 2010. Olho pra ele com uma cara sarcástica de “A seleção brasileira sempre está na Copa” e digo “É isso aí, viva Chile!”

Pego um táxi e descubro que a cidade está um caos. Há centenas de carros na rua, todos os motoristas buzinam e todos os passageiros estão com metade do corpo pra fora da janela e, com bandeiras do Chile na mão, gritam coisas variadas como “Viva Chile”, “Vamos ao Mundial” e o já conhecido grito “Chi, Chi, Chi, Le, Le, Le, viva Chile”. Perdi a conta das caminhonetes com mais de 15 pessoas na caçamba que carregavam bandeiras e cornetas. Até me assustei com esta manifestação de alegria coletiva. Passamos pela Plaza Itália, que estava uma festa só. Depois vi no jornal que havia 10.000 pessoas na praça nesta noite. A estátua de um cavaleiro solitário tinha sido tomada por mais de 50 pessoas, que pareciam formar uma pirâmide humana enrolada em uma bandeira do Chile.

Decidi participar da festa e pedi para descer do táxi. Apesar de eu ser a menos chilena por ali, queria entrar no clima de comemoração e comprei um chapéu estilo bobo da corte com as cores vermelha, azul e branca, em que estava escrito “vamos chilenos”. Coloquei o chapéu, e conversando com as pessoas que circulavam, descobri que desde a Copa da França, em 1998, o Chile não participa da competição. Aí eu imaginei como seria se o Brasil não se classificasse, não para uma, mas duas Copas seguidas. Com certeza, na edição em que nos classificássemos, estaríamos que nem os chilenos, comemorando na rua como se já fossemos campeões.

No dia seguinte, segui para San Pedro do Atacama. Em uma das noites passeando pela cidade, percebo a aglomeração de pessoas nos bares... É o jogo da seleção chilena contra o Equador. Estava no segundo tempo e o jogo já estava no resultado final, 1x0 para o Chile.

Surpreendi-me com o fato de que mesmo em uma cidade de 3.000 habitantes, no meio do deserto mais árido do mundo, em que a luz elétrica chegou de vez há pouco mais de 5 anos e a internet há 3, as pessoas assistam ao jogo e torçam da mesma maneira que na capital do país, uma metrópole com mais de 5 milhões de pessoas. Claro que a comemoração dos moradores de San Pedro foi nula se comparada com a de Santiago, porém, em ambas as situações eram visíveis no rosto das pessoas a alegria e o orgulho de fazer parte daquela nação. De serem chilenos.

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